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Se você se preocupa em saber quais histórias são verdadeiras e quais são ficção, lembre-se de que a história muda conforme aquele que a conta, pois todas elas sempre carregam algo de verdadeiro e muito da fantasia do escritor. Afinal, neste mundo das redes sociais, mesmo quando pretendemos estar contando a verdade sobre nós, redigimos uma ficção.

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Papo do Além

 

 

Se você já perdeu algum parente ou amigo querido tenho certeza de que deve ter se questionado sobre se ele viria ou não conversar com você em sonhos. Ainda mais se a morte foi inesperada e restaram muitas coisas a serem ditas entre vocês dois. Mal-entendidos a esclarecer, assuntos de natureza prática, declarações de amor...Razões não faltam para que a gente sinta que não falou tudo o que devia e sinta necessidade de uma segunda chance.  

 

Dentre todas essas razões, são sem dúvida as declarações de amor e de amizade aquelas que nos fazem mais esperar por uma segunda chance de contato com nossos entes perdidos. A gente costume ser tão sovina dessas manifestações em vida! Considera que o outro entenda tudo o que se passa dentro do nosso coração e de nossa mente, mas o tempo passa, os afetos evoluem, mudam de intensidade e de tipo. Como esperar que o outro saiba o que se passa dentro de nós, se às vezes nem nós mesmos sabemos?

 

Há alguns anos, eu perdi uma grande amiga, uma amiga que estava mais para irmã, tantas eram as afinidades entre nós. Me deparei com o mistério da sua morte súbita e mal explicada. A família se negou a dizer do que ela havia morrido, ela que já vinha se isolando dos amigos e da própria família nos dois anos anteriores a sua morte devido à evolução da sua doença. Vivia só, cercada de cuidados médicos e de remédios tarja preta, psicotrópicos. Sua morte virou tabu.

 

Após a sua morte, não faltaram razões para que eu quisesse uma última chance de conversar com ela: saber por que tinha sentido necessidade de se afastar de mim, o que eu poderia ter feito para amenizar seu sofrimento e permanecer próxima, e principalmente saber por que se matou. Sim, porque você se matou, Yuki? Mas nesses dez anos que se seguiram à sua morte, não tive sequer uma chance de me encontrar e conversar com ela em sonhos.

 

Há três noites, ela finalmente apareceu. Mais jovem do que na última vez em que a vi. Extremamente bem-disposta e saudável. Ela se aproximou de mim e, com ar casual, me disse “Ybbi, está na hora de você pintar o cabelo”. “Humm?”, eu me virei surpresa. Nem em sonho, aquela observação fazia sentido! “Como assim? Faz dez anos que eu espero por essa chance, e é só isso que você tem para me dizer?”, fiquei pensando comigo mesma, incapaz de verbalizar meu desapontamento. “E de depilar as suas pernas”, ela conclui sua observação.

 

Faz três dias que me debato com esse enigma, sem obter resposta. Minha única conclusão é que, além de que eu não deveria ter me acovardado ante as oportunidades de conversar e me reaproximar desta amiga durante a sua doença, eu deveria ter criado oportunidades. Deus sabe que tentei criar. Mas devia ter tentado com mais afinco, mais vezes, de forma mais assertiva. Agora é tarde.

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Tags: conversa depois da mortesegunda chancemistério

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