Viagem interplanetária
Abro os olhos e uma cena em chiaroscuro me invade. São os raios de sol filtrados pelas nuvens que vagueiam por vales e montanhas destas terras exóticas criando contrastes de luz e de sombra. Como foi mesmo que aqui cheguei? Minhas lembranças são nebulosas. Lembro de vestir um traje especial em frente ao espelho. A atenção aos detalhes, o esmero... Lembro dos drinks com amigos quando festejamos esta nova aventura. Lembro da partida, em alta velocidade, e de sentir meu coração querendo sair pela boca. O resto de minhas memórias se confunde como em um turbilhão. Creio que em algum ponto desta viagem interplanetária, perdi a consciência.
Nesses primeiros instantes da aurora, quando ninguém presta atenção aos meus atos, me sinto à vontade para restar em meu canto, inerte. Apenas meus pensamentos estão vivos. Aguardo calmamente alguma manifestação de vida nas proximidades para exibir alguma reação. O ritmo de vida em meu planeta de origem é diferente daqui. Embora eu já esteja bem desperta, a vida ao meu redor permanece adormecida. Esta diferença inesperada de ritmos me permite observar o mundo ao me redor sem compromisso, sem questionários a responder, nem protocolos!
Finalmente a inércia ameaça extinguir a sensibilidade de meus membros, exigindo que eu me mova. “Vai, mostra que tu és corajosa e toma iniciativa!”, digo a mim mesma. Então estendo meus dedos lentamente e toco. A superfície é quente, quase queima meus dedos. Tão diferente do meu planeta! Sinto um ímpeto de agarrar, mas uma falta súbita de ar me assoma. Devem ser os novos ares, reflito atordoada. Não sei onde eu estava minha cabeça quando decidi partir nesta aventura. Desbravar outro planeta é algo tão perigoso!
Um ronco ensurdecedor me desconcentra. A terra se convulsiona sob meu toque e, assustada, recolho meus dedos. A tensão e o medo que acompanham o a fase exploratória sempre me despertam um sentimento de nostalgia. Me perco nas lembranças da última vez em que desbravei terras estranhas: o início também foi difícil. Mas depois, a cada vez que abria os olhos e colocava minhas lentes, via uma extensão branco-leite à minha frente. Tranquila, muda. Aqueles foram tempos de paz, sem surpresas ou expectativas loucas. Tinha todo o meu tempo livre para dedicar aos meus prazeres solitários. Li muito. Mas, com o tempo, minha imaginação começou a divagar, meu peito, a ansiar por novas descobertas. Era chegada a hora de partir.
O ronco surdo finalmente se extingue e o planeta entra em movimentos cataclísmicos, me tirando dos meus devaneios. Subitamente os montes que obstruíam a visão à minha frente se abatem e dois olhos me fitam atentos.
- Bom dia!
Ele me observa com um sorriso tímido enquanto aguarda ansioso por um sinal de vida, uma resposta, qualquer coisa. Os segundos passam sem que eu encontre uma resposta adequada, ou decida em qual língua devo me expressar. Minha mente se perde em pensamentos. Mas de que adianta uma cabeça cheia de questões frente ao desafio de desbravar um novo mundo?
Ele finalmente resolve a questão por nós dois ao me envolver com seus braços. Com nossas topografias ajustadas em molde e contramolde nos entregamos a embates tectônicos. Nesta hora, que importância tem o planeta de onde viemos, ou quais mistérios carregamos em nossos peitos? O que importa somente é desbravar.
Voltar